Gatinhas Bem Cheirosas

Este é o blogue que vai certamente mudar a sua vida...para pior. Criamos ideias que não vão chegar a lado nenhum.

quinta-feira, outubro 05, 2006

A terceira idade e os autocarros

Ainda utilizando termos de documentário da National Geographic, apresento mais uma crónica sobre este animal que todos nós seremos um dia: O Idoso.
É algo inevitável, fomos crianças, jovens... somos adultos (esse peso de responsabilidade ainda me custa aceitar) e iremos ser velhotes. Só temos que aprender com eles, com as suas experiências e histórias passadas. O que me custa um pouco de ver é a vida que muitos desses velhotes levam hoje em dia. O facto de terem chegado à terceira etapa das suas vidas, fez com que muitos deles arrumassem as botas de vez, levando simplesmente uma vida que se resume a uma visita ao jardim do bairro ou a um passeio de autocarro até ao último destino. Esses são os seus territórios favoritos. O autocarro é simplesmente o mais famoso. Desculpem-me não me levem a mal agora... mas fora do autocarro eu até nutro uma simpatia para os velhotes, que , como já anteriormente referi, são o símbolo da experiência de vida. Mas como consumidora assídua dos autocarros, vejo que um velhote simpático, dentro de um veículo colectivo torna-se no mais verdadeiro "animal" a defender com unhas e dentadura o seu território.

Para quem trabalhe e tenha uma vida ocupada, e necessite do autocarro como meio de transporte necessário, encontra certamente um número de passageiros considerável de bengala na mão, e cabelo grisalho, emitindo sons de "resmunguice" a toda a hora. Eis o Idoso.
Este ser humano tem como o autocarro o seu território pessoal. Ninguém mais tem o direito de lhe ocupar o lugar.


Situação: manhã, hora de ponta. Numa fila desorganizada os velhotes amontoam-se na paragem do autocarro. Quem consegue lugar na paragem, está satisfeito. De quem não consegue ouve-se o primeiro "ai" ou queixa de dores nos joelhos.
O autocarro chega e os velhotes, tal como um enxame de abelhinhas encorvadas, colocam-se todos em frente do possível local onde a porta se irá abrir. Pode o motorista de repente avançar alguns centímetros e o pequeno enxame persegue ancioso a porta de entrada para a viagem das suas vidas: Hospital da Sta Maria, Praça do Chile ou Colombo, onde passam horas e horas a matar tempo...
A porta abre-se lentamente e lá vemos os velhotes empurrando-se uns aos outros sem reparar se ultrapassaram o direito de alguém - são mais velhos, têm por isso todo o direito de passar à frente de quem quer que seja, pois claro! E lá vemos a parte que mais me pertuba. Lentamente e custosamente a velhota à minha frente sobe o degrau. Até aqui tudo bem. Temos que ser pacientes. As pernas da senhora já não são o que eram. Em tempos idos, andava como ninguém, agora manqueia de bengala na mão. Há-de chegar o dia em que serei também assim. (Estou a pensar seriamente em começar a fazer desporto...)
Agora a parte pior: muito lentamente e reparando na possibilidade de se sentar em quase todos os lugares, a idosa cambaleante, parece dirigir-se a um lugar, confiante quase se senta, mas ainda à minha frente e eu na impossibilidade de passar, pois o corredor é estreito, hesita, anda mais um, dois, três passos, hesita mais uma vez. E eu sem poder dizer mais nada, nem sequer me queixar, pois seria acusada de falta de respeito. Finalmente encontra o lugar que lhe convém - bem perto da porta de saída. Ufa, consigo finalmente passar.
De todos os passageiros, os que têm bengala e cabelos grisalhos são os que mais se queixam da vida. O alvo de acusação é quase sempre os jovens: trazem mochilas, pois são um incómodo de passagem ou passam-lhes à frente (aí já dão conta). Queixam-se do senhor que aparentemente saudável se senta nos lugares reservados para deficientes - quando muitos velhotes sem bengala, não serem considerados como tal; queixam-se dos autocarros chegarem atrasados, quando não têm compromissos a cumprir, excepto consultas marcadas no hospital, e depois, claro, fazem a exclamação saudosista de tempo passado ter sido muito melhor.... "ai Salazar, Salazar!" - esta última exclamação provoca-me sempre algumas comixões...

Mais uma vez peço: não pensem mal de mim. Não sou representante de alguma organização anti-idoso. Só tenho receio de um dia, quando chegar a velha, tornar-me num ser arrogante e azedo como os velhos de hoje em dia o são. É triste quando se chega a uma certa idade e ver que não há muito para viver. Cresce-se, trabalha-se durante uma vida, casa-se, tem-se filhos que mais tarde têm as suas vidas e desaparecem.

Um dia tive que ir ao médico e vi lá uma velhota que representa a solidão de muitos idosos. Ela passa quase todos os dias naquela sala de espera abafada e entretém-se a falar como as pessoas que estão à espera de serem atendidas. Depois das horas passarem, gosta sempre de falar com o médico, a pedir a sua atenção para qualquer problema de saúde que lhe surge no momento. É quase como que uma rotina quase diária. Quando não vai, passa o tempo na janela a observar um outro velhote que de uma varanda pergunta as horas a toda a gente que passa. Isto tem o seu quê de irónico. Pois a senhora acha aquilo ridículo quando ambos passam o tempo, à sua maneira. Isto dá que pensar...